Leitura de poesia: "Nada explica, nem consola"
"Aqui está-se sossegado
Longe do mundo e da vida,
Cheio de não ter passado
Até o futuro se olvida.
Aqui está-se sossegado.
Tinha os gestos inocentes
Seus olhos riam no fundo,
Mas invisíveis serpentes
Faziam-a ser do mundo.
Tinha os gestos inocentes.
Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde
Na solidão a tornar
Em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.
Sim, poderia ter sido...
Mas vontade nem razão
O mundo têm conduzido
A prazer ou conclusão.
Sim, poderia ter sido...
Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, ouço o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que vejo azul a esverdear.
Agora não esqueço e sonho.
Não foi propósito, não
Os seus gestos inocentes
Tocavam no coração
Como invisíveis serpentes.
Não foi propósito, não.
Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho -
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.
Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola.
A mágoa de um não ser dois -
Nada explica nem consola."
PESSOA, F. Poeias Inéditas & Poemas Dramáticos. Porto Alegre : [s.n.], 2019. p. 65–67
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