Resenha de filme: Curta dinamarquês "Flee"

 Nessa animação a vida de Amin nos é apresentada por meio de entrevistas dadas por ele a um amigo de infância. Decerto ele passou por muitas situações que tem o poder de dilacerar pessoas por suas influências pejorativas nelas. A maior estrutura que o endurece quanto ao ato de simplesmente ser em sociedade é o fato de ter entrado na Dinamarca de maneira ilegal e não poder assumir a existência de sua família, visto eles terem pago traficantes para sua chegada ao país vindo da Rússia. Conquanto o tom sério perpassa toda obra, ela não é angustiante de maneira definitiva. Tirei como moral dela que independentemente de tudo que tenha acontecido com alguém, o indivíduo pode ainda ser feliz após a dor. Essa não limitação as pessoas apesar de suas situação prévia é fantástica. Me dá um pouco de esperança diante a vida. Não necessariamente sobre mim, fui/sou bem resguardada por pessoas que me dão o prazer de ser, de uma forma ou de outra, cuidada por elas. 

Ademais, penso sobre quais tipos de consequência podem ser causadas por uma mentira a longo prazo na vida de uma criança. Amin passou muitas décadas contando a mentira. De acordo com o livro "Inteligência Emocional das Crianças no capítulo 4 se explica o processo de constituição moral infantil. Para crianças no período pré-operacional uma mentira seria tudo aquilo dito que não é verdadeiro. A ideia de intencionalidade ainda não foi concebida por essas crianças. Mas a partir dos 9, isso é levado em conta. Amin sabia estar mentindo para poder continuar na Dinamarca. Amin mentiu para sobreviver. Mesmo assim, o que isso pode ter causado nele? Lá é dito "Você não imagina como crescer desse jeito influência na sua relação com os outros...como isso te quebra por dentro." A dificuldade de confiar em alguém é um desses impedimentos para criar laços e cultivá-los.

Obs: Existe até um distúrbio de comportamento chamado Mitomania. Porém, o indivíduo realmente acredita no que diz, na maioria das vezes.

Quando penso sobre a convicção de Amin de saber que, mesmo depois de reproduzir por tanto tempo uma mentira ela não se tornou verdade, me assusto. Lembro de Winston de 1984 e sua forte certeza que 2+2 são 4. No fim, ele diz que são 5. Ele diz que são 5 por estar na condição de subalterno a algo, no caso do personagem de Orwell, ele foi torturado para isso. No caso de Amin, havia também um tipo de coerção acima dele. A necessidade de sobrevivência. Por ela, valeria dizer até mesmo que seus familiares, únicos responsáveis por ele ainda estar vivo, estavam mortos. Esse peso é gigante. Esse fardo modulou todos os objetivos de vida de Amin. Como se no fim, ele vivesse pela família, que teoricamente estava morta. Na cena em que conta o quão doloroso foi ter sido entrevistado por horas e ter de manter a narrativa que os contrabandistas o disseram, ele diz ter se assustado por chorar. Sabia que não era verdade, mas aquilo continuava o tocando. Pensei ao assistir "até onde isso era realmente falso? Será mesmo que essa história não o perpassa de tantas maneiras?!" Ela não era dele. Ela era de tantos outros como ele que não tiveram a mesma chance de chegar lá.  Suas condições forçaram Amin a dizer 5, incontáveis vezes.

Na série "Lie To Me" há um episódio no qual uma personagem refugiada da Somália conta sua história em palestras e escreve um livro. No fim, descobre-se que ela mente. Nada daquilo aconteceu com ela. Agora o que faz questionar a cognição é: a intencionalidade deixou de ser considerada? Ela mesma diz que  precisa dizer que foi com ela para que a história tenha mais voz. Não aconteceu com ela, mas acontece diariamente em seu país de origem e ela gostaria de fazer algo contra isso. No fim, seu livro é cancelado. Sua história é silenciada. Acredito que, a moral nesse episódio foi que será o certo pelo certo, mesmo que doloroso. A mesma rigidez vista nos exemplos feitos por Piaget com crianças de 6 anos. Entre duas histórias, elas dizem ser pior aquela em que o personagem quebra 15 copos ao abrir a porta, sem saber que eles estavam lá, do que a de um menino que quebra 1 copo por estar procurando uma geleia no armário alto.

 Por fim, gostaria de terminar como o filme: com tom apaziguador e mostrando no horizonte que, mesmo após dificuldades, o fim pode ser belo. Após tanto dizer 5, Amin se libertou com a entrevista dada a seu amigo e se assustou ao ver sair de sua boca o número por tanto tempo esperado.

Link do meu trabalho feito sobre os refugiados em 2021:

https://docs.google.com/presentation/d/1WkSTQjFSyLrlrYJ1r6EtavKaIrSC452P/edit?usp=sharing&ouid=108206816916260406401&rtpof=true&sd=true

https://docs.google.com/document/d/1nr0hc9Bid2780irvIKBa3vPg8WNjVgJflGfF8ykdJPA/edit?usp=sharing

Dica de filmes: 

- Primeiro, Mataram o Meu Pai

- Beasts of No Nation

           Dica de livros:

- Diário de Myriam 

- No Friend But The Mountains 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Leitura de poesia: "Nada explica, nem consola"

Textos que já enviei: por que se presenteia o outro?